16 de abr. de 2012

Entrevista com Marcus Santos, Mestre de Bateria nos Estados Unidos

por Cebola

O Blog Bateria S/A já conversou com alguns dos mestres de Bateria mais conceituados do Brasil.  Agora, vamos trazer uma entrevista com um dos mestres de Bateria mais conceituados dos Estados Unidos!

Marcus Santos teve uma trajetória diferente dos mestres de Escola de Samba tradicionais, iniciando sua carreira como percussionista em Salvador e completando sua formação musical na Berklee College of Music nos EUA – uma das melhores faculdades de música do mundo. 




Hoje em dia o Marcus leva a batucada brasileira para diversos cantos dos EUA.  No mês passado ele contou um pouco da sua experiência e aprendizados ao Blog Bateria S/A.  [Veja alguns videos do Marcus no final do post!]

A maioria dos Mestres no Brasil são responsáveis por uma única bateria, composta por ritmistas que cresceram no mundo do samba (geralmente). Você, por outro lado, construiu diversas baterias compostos por Americanos que nunca haviam tido contato com música brasileira.  O que você aprendeu sobre ser um Mestre?

Hoje estou dirigindo 9 batucadas em vários estados dos EUA.  Aprendi que, para fazer um grupo crescer, é necessário todo mundo ter prazer de tocar.  O líder tem que ser um brother, não um cara que fica escaldando a galera, que desvaloriza a pessoa só porque ela nunca tocou antes.

Cada batucada tem seus próprios desafios, mas tento começar com ritmos mais lentos (ex.: samba-reggae devagar), e a partir daí vamos evoluindo. O próximo ritmo é uma versão de hip hop, assim os ritmistas daqui podem se conectar e entender a linguagem.

A lição mais importante, no entanto, é que o mestre é a primeira pessoa responsável pelo clima do grupo.  Se ele estiver de mau humor, todo mundo vai ficar de mau humor.  Também cabe o lider ver se o ritmista está com a cabeça longe, se não teve um bom dia.  Quando, por exemplo, a pessoa tem família e trabalho, ela tende a estar com a cabeça menos fresca que um estudante universitário (mesmo com o stress do estudo).  Para exercer o meu papel, é preciso ter a flexibilidade para mudar o ensaio para trazer a atenção do cara para o ensaio - por exemplo, encaixando um solo na sequência.

Você tem uma formação técnica em música que a maioria dos Mestres de Bateria no Brasil não tem.  Como isso influencia o seu trabalho?

Minha formação profissional/ técnica influencia muito na forma que eu vou ensinar.  Com os músicos, eu posso falar com a linguagem mais acadêmica.  Mas se forem ritmistas que não tiveram a oportunidade de estudar leitura rítmica, eu preciso usar outra linguagem.  Neste caso, eu peço para eles “falarem” os ritmos, por exemplo.  Eu também preciso repetir muito e ser sempre positivo, para a galera se divertir enquanto estou liderando ali.  Também preciso ser mais paciente.   Se eu me planejo para fazer 10 coisas no ensaio e ao final ainda faltam 7, eu posso até ficar frustrado mas não posso deixar isso me alterar.

Algumas de suas baterias são compostas por músicos profissionais com sólida formação técnica.   Como isso se compara com uma bateria de ritmistas leigos?

Ter músicos profissionais na bateria facilita muito em alguns aspectos, e o principal é a comunicação no ensaio.  Por exemplo, em um frevo eu queria que o repique e a caixa fizessem 4 semibreves, e os surdos só uma nota.  Nestas baterias eu posso usar estes termos que eles vão entender.  A velocidade que o grupo evolui muda pra caramba; os músicos conseguem escrever mentalmente e memorizar o ritmo (ex. “no segundo compasso eu toco tercina”)

Por outro lado, as batucadas com músicos profissionais tem um problema que é arcar com os cachês individuais.  Em um casamento, por exemplo, os músicos chegam a ganhar 10 vezes mais do que em um show da bateria.  É verdade que a grande quantidade de ritmistas ajuda a compensar a falta de uma ou outra pessoa, mas todos os músicos profissionais tem diversos compromissos e fica difícil conciliar.

De qualquer forma, não estou desvalorizando o trabalho com grupos de ritmistas amadores e tão pouco profissionais.  Ambos são muito legais e me divirto muito com os dois cenários.

Você acha que a batucada está no sangue do Brasileiro?

Sem sombra de dúvida, a batucada está no sangue.  Eu acredito que o samba da Vai-Vai está no sangue dos membros da Vai-Vai porque eles fazem parte de uma comunidade, e isso influencia muito na formação e entendimento do samba que eles carregam (e o mesmo para qualquer Escola de Samba, Vai-Vai é só um exemplo).

Eu acredito que o meio modifica o homem; por estarmos no Brasil, a gente pega uma “célula do samba” que se desenvolve.  Em contra partida, eu ja conheci muito brasileiro com samba no sangue mas sem noção de ritmo. Eu também conheço muito gringo que toca pra caramba e também tem a ginga  do samba, geralmente eles tem que se esforçar um pouco mais pra uma vez que nao estão expostos à ginga do samba continuamente na comunidade em que eles cresceram.

Hoje em dia existem Baterias de Samba em vários lugares do mundo [veja posts relacionados no Blog].  Como você enxerga que o movimento está se desenvolvendo nos Estados Unidos?

A cultura do Brasil é fantástica. Onde quer que a gente vá, a gente é respeitado.  Você fala que é do Brasil e todo mundo abre um sorriso.  Engraçado que não é assim para qualquer país.  Uma cultura tão rica e tão musical quanto a nossa é a da Venezuela por exemplo, e mesmo assim a reação dos gringos não é a mesma. Eu sou super fã dos ritmos afro-venezuelanos mas infelizmente eles não tem a mesma popularidade que os brasileiros. Um dos motivos é o fato do brasileiro ter fama de festeiro. A batucada pode até não estar sempre perfeita, mas as pessoas estão felizes, alegres, convidando a comunidade, se divertindo, e é isso o que importa.

Aqui nos Estados Unidos existem várias outras baterias.  Fico muito feliz que o movimento esteja crescendo, e a maioria dos grupos são fantásticos.  Mas, como em todo lugar do mundo, infelizmente sempre existe o lado negativo. Tem muitos mestres de bateria que maltratam os musicos, que chega cheio de marra, com uma postura “eu sou brasileiro e vocês são gringos, sintam-se privilegiados de tocar minha música”. Isso me deixa muito triste e simplesmente não tem cabimento.

Outra postura muito negativa é aquela de “o que não é tradicional não presta”.   Eu estou cansado, por exemplo, das pessoas ficarem falando mal das outras no YouTube.  Outro dia postei um vídeo de um samba-reggae, e fiz uma onda com um buzz roll que tinha a mesma divisão rítimica da Mocidade Independente.  Um cara escreveu me criticando, porque não entendeu que eu queria fazer um ritmo diferente.  Fico triste quando as pessoas acham que o jeito delas é sempre o certo. Vou dar outro exemplo, um ritmista muito bom me enviou uma mensagem no facebook dizendo que eu troquei o nome dos surdos de primeira e de segunda no video que eu gravei pra marca de percussão LP. Fala sério! Vamos parar de procurar defeitos nas outras pessoas tocando.

No grooversity não estamos tentando copiar ninguém e nem fazer nada tradicional.  Se eu ficar aqui no EUA só para ensinar coisas tradicionais, não vamos desenvolver um ritmo local e autêntico.  A diversidade é muito importante para evoluir a cultura.  É uma coisa contemporânea, mistura de culturas, mas usando a cultura Brasileira como fundamento.  Estamos querendo fazer a nossa onda.  A galera deveria abrir o coração, deveria abrir a mente para os movimentos do mundo todo.



Exemplos do trabalho do Marcus Santos nos EUA:

Aula de Samba-Enredo




Aula de Samba Reggae



Aula de Pandeiro