15 de ago. de 2011

Entrevista com o Mestre Tornado

por Du Japonês


(Check the interview in English below)
Transcrição da entrevista original

Breve retrospecto da carreira

Comecei no Paulistano da Glória. Eu morava na Vila Guarani (Jabaquara) e nós tínhamos uma pequena bateria ali, e só de molecada. Hoje esse pessoal é diretor de bateria, Wagnão do Vai-Vai, eu aqui, ritmista do Vai-Vai, Mocidade. A gente começou batendo lata, e passado um tempo meu primo Inácio começou a fazer um trabalho no Paulistano da Glória e eu fui chamado pra fazer um teste lá. Saí um carnaval lá, depois saí no Barroca, e fui morar no rio, saindo dois anos na Portela. Voltei pra São Paulo e fui tocar no Vai-Vai, onde fiquei por 22 anos e ganhei três repiniques de ouro. Depois disso saí procurando novas oportunidades, e em 1999 parei na X-9, onde saí tocando por um ano e no segundo ano o Mestre Adamastor me deu uma oportunidade de ser diretor, a qual eu sou muito agradecido. Após disso o Adamastor teve um desentendimento com o então presidente Lauro e saiu da agremiação. Assim fui convidado com o Augusto pra ser o mestre da bateria, tirando nota por 8 anos seguidos. Depois disso, saí da X-9 e fui sondado por três escolas, dentre elas a Rosas de Ouro, com a qual acabei fechando um contrato.


Como você procura desenvolver os seus ritmistas?

Eu tenho escolinha de bateria aqui no Rosas, na qual eu ensino novos rimistas, procuro novos talentos, porque penso eu que ninguém é eterno, nem eu. Então a reciclagem pra mim é muita benéfica porque eu to rejuvenescendo a bateria. Agora, os meus ritmistas não são cobrados, porém, quem quiser vir aprender novos instrumentos, eu estou aberto pra isso. Temos a escolinhas pra isso, e já houve casos de pessoas que já mudaram de instrumentos porque era mais interessante pra bateria. Mas o próprio ritmista é geralmente acomodado, aprende um instrumento, é bom naquele e não muda.

Carnaval 2011

Todo mundo levou pau por causa de ganzá, até o da Mancha, que na minha opinião é um dos melhores de São Paulo. E eu acho errado isso porque todas as escolas têm o mesmo padrão de ganzá, com exceção do Vai-Vai. Se você pegar os padrões de Tucuruvi, Mocidade, que tiraram nota máxima, não é muito diferente de Mancha, X-9, Rosas. Agora o que os jurados acharam de errado eu queria saber pra tentar corrigir. Mas enfim, nota dada, pênalti dado.

Evolução da bateria desde 2007

Modéstia a parte melhorou muito. Quando eu cheguei, eles haviam acabado de perder o Carnaval por causa da bateria. Eu cheguei com outra metodologia de trabalho, disciplina, mudança de ritmo, padronização de naipes, enfim, uma mudança radical pra bateria da escola. Tanto é que eu achei que ia perder nota porque os jurados estavam acostumados com o padrão do Rosas e eu tinha implantando o meu padrão que X-9.

Interferência da escola no trabalho

Nós fazemos muitas reuniões, mas quem pode dar palpite é o diretor de carnaval, que vai planejar um desfile e todos precisam estar naquele contexto. Agora, em termos de ritmo eu converso muito com o Darlan, Osmar, que são responsáveis pelo canto da escola, nós sentamos e discutimos se as bossas encaixam no samba, em qual momento elas ficariam melhor no samba, enfim, o trabalho musical do Rosas é muito bom.

Sobre Ritmistas não exclusivos

Faltam ritmistas em São Paulo, em certos naipes. Eu esperava mais tamborins na minha escolinha, apareceram só dez e não sei se dois vão continuar. É complicado. Ano que vem eu vou continuar a sair com outros ritmistas de outras escolas, e outras escolas também vão sair com ritmistas meus. Normal. Eu acho que ritmista tem que ser livre, ele vem ensaiar sempre, com sol com chuva, as vezes por um refrigerante, cerveja, lanche. Ele só precisa ter responsabilidade, porque ele está defendendo o pavilhão.

Configuração e características da Bateria

12 primeiras, 12 segundas, 14 terceiras, 75 caixas, 35 repiniques, 40 tamborins, 20 ganzás, 20 cuícas, 10 agogôs e 10 timbaus. É uma bateria leve, porque minha afinação é alta, mas eu vou mudar esse ano por causa do contexto do desfile, que vai ser um tema pesado e requer a bateria pesada, pros componentes sentirem o chão. Por isso eu vou mudar a afinação.

O que pode melhorar na relação Bateria – Jurados?

Esse ano eles pontuaram o ganzá. Mas o que é que está errado no ganzá? Será que a forma de tocar? De parar? De iniciar? É que nem criança, você não pode chegar numa e falar tá errado. Ela pergunta “Por que?”. Você precisa falar o porquê. E as justificativas não condizem com o erro. Elas precisam ser mais convincentes. Então eu acho que os jurados deveriam ter uma palestra com os mestres de bateria. (P: Não houve um ano que o Odilon deu uma palestra?) O Odilon deu uma palestra para os mestres de baterias e para os jurados. A partir daí que começou esse negócio de padronização de instrumentos. Eu achei muito benéfica porque é uma boa maneira de você ensinar os novos. Você chegar e falar “olha a batida da caixa é essa aqui, se você pegar você tá dentro”. Foi legal, foi benéfico, a afinação em São Paulo melhorou muito, o andamento, mas os jurados ficaram muito limitados. Eu não digo que eles estão errados, pra mim eles são superiores, se eles estão lá pra dar nota, então... tanto é que a nota não volta, por mais que a gente reclame. Então eu acho que deveria ter uma proximidade, entendeu? Uma vez por ano você pegar todos os jurados, alguns mestre de bateria, junta todos numa sala, dar uma palestra, sei lá... como a gente ensaia quase que diariamente, o jurado deveria ter alguma coisa também...alguma aula, algum curso, sei lá, alguma coisa semanal, mensal. Você não pode chegar dois meses antes do carnaval, dar uma palestra, uma diretriz, e daqui dois meses ele ter que julgar. Acho que ele tem que andar nas escolas, pega o ônibus da liga, encher de jurado e diz “hoje nós vamos à escola x”. Não precisa dizer que são jurados, vão tomar uma água, refrigerante, cerveja, vão assistir o ensaio e vão embora.

Falta compreensão pra um jurado do significado de uma bateria?

Sim, porque se você colocar um jurado que tenha formação em samba, todos eles vão ter uma escola de samba. Eu não digo que esses jurados não tenham, lógico que tem. O cara tem a sua preferência. Como time de futebol, cada um tem o seu. Então não pode ter jurado de samba porque o cara vai ser tendencioso, tem que contratar profissional, um músico em potencial, mas ele tem que ter uma formação de escola de samba. Ou então fazê-lo conviver com escolas de samba durante o ano. Não são tantos meses de ensaio e nem são tantas escolas (...) eu jamais tiraria nota do ganzá da Mancha Verde, porque pra mim é o melhor tocado.

Rivalidade entre escolas de São Paulo

A gente faz pensar que não tem, mas tem. Tem rivalidade, eu não acho legal, porque o samba fica por outros caminhos, o samba sempre foi irmandade, tanto é que existe o nome de co-irmãs (...) mas eu vejo hoje pessoas que não podem entrar com a camisa da sua entidade em outra entidade, ritmista não pode tocar em um lugar porque toca em outro lugar... eu acho isso um erro imperdoável...

Baterias em São Paulo

Eu prefiro falar que gosto de todas (risos). Tem umas que eu prefiro falar que gosto de certos naipes, que são mais acentuados que outros, mas acho que todas as baterias tiveram uma crescente nos últimos 5 anos, todas as baterias estão num bom padrão, todas estão num nível muito bom de ritmo. Além da minha bateria (risos), tem a bateria do Vai-Vai que é diferenciada, Mocidade, Camisa, Tucuruvi, todas tem seus pontos pontos falhos e positivos, mas todas estão evoluindo a cada ano.
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Veja também:
Entrevista com Mestre Moleza (Mancha Verde)
Entrevista com Mestre Caju (Mancha Verde)
Entrevista com Mestre Mi (Vila Maria)
Entrevista com Mestre Odilon (Mocidade Independente)
Entrevista com Mestre Sombra (Mocidade Alegre)

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Brief career retrospect

I started out at Paulistano da Glória Samba School. I lived in Vila Guarani neighborhood (Jabaquara), and we had a small bateria there, composed of kids only. Nowadays, those guys are bateria directors, Wagnão at Vai-Vai Samba School, I am here, another guy is at Vai-Vai, Mocidade Samba School. We started out drumming on pots and cans, and after a while my cousin Inácio started doing a project at Paulistano da Glória, and I was called in for an audition there. I took part in their Carnival parade, then I took part in Barroca Samba School’s parade, then I moved to Rio de Janeiro, where I took part in Portela Samba School’s parades for two years. I moved back to São Paulo and went to play at Vai-Vai, where I stayed for 22 years and got three “Repinique de Ouro” awards. After that I left to look for new opportunities, and in 1999 I ended up at X-9 Samba School, where for the first year I was an instrument player, and on the second year Mestre Adamastor gave me the opportunity of being a director, for which I am very thankful. After that, Adamastor had a misunderstanding with then president Lauro, so he left the association. I was then invited, along with Augusto, to be the new Mestre, getting maximum grades for eight years in a row. After that, I left X-9 and was approached by three schools, among which was Rosas de Ouro Samba School, with which I ended up getting a contract.

Bateria’s configuration and characteristics

Twelve Surdos de Primeira, twelve Surdos de Segunda, fourteen Surdos de Terceira, seventy-five Caixas, thirty-five Repiniques, forty Tamborins, twenty Ganzás, twenty Cuícas, ten Agogôs and ten Timbaus. It’s a light bateria, the tuning is high overall. But I’m changing it this year because of the parade’s context [Hungary], it will have a heavy theme and it requires a heavy bateria, so that the members can feel the ground. That’s why I’m changing the tuning.

Evolution of the bateria since 2007

Modesty aside, it has improved a lot. When I arrived, they had just lost the first place in Carnival because of the bateria. I arrived there bringing another working methodology, discipline, change in the rhythm, section standardization, anyway, a radical change at the school’s bateria. That’s why I thought we would get lower grades, because the judges are used to Rosas’ pattern and I had established my pattern, which was the same as X-9’s.

About non-exclusive Percussionists:

São Paulo lacks percussionists for certain sections. I expected to have more tamborim players at my “Escolinha” [introductory course], but only ten showed up and I don’t know if even two of them will stay on. It’s complicated. Next year we are still having ritmistas [players] from other schools in the parade with us, and other schools are having my ritmistas with them. That’s normal. I think a ritmista should be free, he always comes to the rehearsal, either it’s sunny or rainy out there, sometimes just for a soda, a beer, a snack. He only has to have responsibility, because he’s supporting the flag.

What could be improved about the relationship between the bateria and the judges

Everybody flunked because of the ganzá, even Mancha’s ganzá, which in my opinion is one of the best in São Paulo. And I think that’s wrong because all schools have the same ganzá standard, except for Vai-Vai. If you take the pattern of Tucuruvi, Mocidade, which got the maximum grade, they are not very different from Mancha’s, X-9’s, Rosas’ standards. But what is wrong about the ganzá? Is it the way they play it? The way they stop playing it? The way they start playing it? It’s like a child, you can’t just get a child and tell them,“it’s wrong”. They’ll ask “Why?”. You have to tell them why. And the judges’ explanations are not clear in that sense. They need to be more convincing. I think the judges should have a lecture with the bateria masters.

Wasn’t there a year in which Mestre Odilon gave a lecture?

Odilon gave a lecture to the bateria masters and the judges. From then on, that “instrument patterns” thing has started. I see a big advantage in that because it’s a good way for you to teach the new guys. You can get to them and say “see, the beat of the caixa is like that, if you get it, you’re in”. It was cool, it was advantageous, the tuning in São Paulo has improved a lot, so has the pace, but the judges became very limited. I won’t say they’re wrong, to me they are superior, if they are to give grades, then that’s it. Especially because once a grade is given, it can’t be refuted, no matter how much we complain. So I think there should be some kind of proximity, you know? Once a year you take all of the judges, a few Mestres, put them all together in a room, have a lecture, I don’t know… since we rehearse almost every day, the judge should have to do something either… some class, some course, I don’t know, something weekly, monthly. You can’t wait until two months before Carnival, give a lecture, a guideline, and within two months he has to judge you. I think he has to visit the schools, that we should take the League’s bus, fill it with judges and say “today we’re going to that one school”. You don’t have to tell people that they’re judges, they just go there to have some a beer, watch the rehearsal, and go home.

Rivalry among São Paulo schools

We make people think that there is no such a thing, but there is. There is rivalry, I don’t think that’s cool, because it makes samba take different paths, samba has always been about brotherhood (…) but nowadays I see people who can’t wear their entity’s T-shirt when entering another School, ritmistas who can’t play somewhere because they play somewhere else… I think that’s an unforgivable mistake…

Best Baterias in São Paulo

I’d rather say that I like them all (laughs). I’d rather say I like certain sections of some Schools, which stand out, but I think all of the baterias have improved in the last five years. All have very good level when it comes to rythim. So, to your question, besides my bateria (laughs), there is Vai-Vai’s bateria which is differentiated, Mocidade’s, Camisa’s, Tucuruvi’s, all of them have their flaws and highlights, but all of them are evolving every year.