26 de fev. de 2013

Ritmista comenta as duas baterias da Mangueira!



Bateria Surdo Um... Um Sonho... Um Desfile... Um Espetáculo... Um Dia Inesquecível... Em Dose Dupla!

Voltei ao Brasil dia 20 de dezembro, após quase 6 meses fora do país, mas claro, sem sair da sintonia do samba. Já tinha lido sobre a audaciosa decisão da Estação Primeira de Mangueira: levar 2 baterias para a Sapucaí, mas sinceramente não sabia ao certo como isso seria executado e sequer havia imaginado participar desse projeto tão ousado e que tomou conta dos fóruns de discussão relacionados ao carnaval durante todo esse período.

Quando menos esperava, saindo de mais um excelente show do Grupo Dose Certa no Bar Samba, fui convidado para participar desse desafio pelo Vitor da Candelária, o Carica, músico que dispensa comentários e é um dos diretores da Bateria Surdo Um. Aí então comecei a ter mais informações da tal loucura, no bom sentido, que a Mangueira estava preparando para o carnaval 2013, coordenada pelo diretor musical da escola Alexandre Panzoldo, o Alemão do Cavaco, compositor de sambas antológicos no carnaval paulistano e vencedor do samba-enredo da verde e rosa em 2011, uma linda homenagem ao centenário Nelson Cavaquinho.

Eis que então comecei a frequentar os ensaios... Por volta de 65 ritmistas de São Paulo estavam compondo este grupo. Foram alguns ensaios aqui em São Paulo na quadra do Império de Casa Verde, onde tive a oportunidade de fazer novos amigos, tocar ao lado de excelentes ritmistas e mestres do carnaval paulistano. Neste meio tempo, um ensaio técnico na Sapucaí lotada foi suficiente para ter uma noção do que estava por vir, afinal foi o nosso primeiro contato com os ritmistas cariocas tanto da primeira quanto da segunda bateria e também a primeira demonstração do calor do público com a escola, especialmente quando as baterias se alternavam. Resumi essa experiência da seguinte forma: em cada troca de bateria me senti o Zico marcando um gol no Maracanã lotado, nos saudosos tempos da geral, independente da paixão clubística, mas sim pela mística do futebol e do povo carioca. Também rolou um ensaio de rua nos entornos da Mangueira, porém não estive presente, infelizmente, por descuido meu.

Os dias foram passando e o carnaval se aproximava... A adrenalina foi tomando conta de mim, potencializada também pela ansiedade diante do meu décimo desfile pela Tom Maior e pela minha ausência no desfile dos Gaviões da Fiel, as duas escolas que moram no meu coração. O zumzumzum sobre a ousadia da Mangueira tomava mais espaço a cada dia que o desfile se aproximava... Era muita polêmica, muita gente na expectativa de ver como isso aconteceria, muita gente que apostava no fracasso de mais uma ideia “maluca” da verde e rosa... Enfim, essa polêmica certamente foi um combustível para os dirigentes da agremiação e também para os ritmistas, fossem eles os mangueirenses de raiz, fossem eles os felizardos que participariam desse momento marcante no carnaval.

Chegou o carnaval!

Decidi ir para o Rio de Janeiro um dia antes do desfile, junto com um amigo, o Fernando Freitas, que também participou dessa missão, com o objetivo de ir ao sambódromo presenciar a primeira noite de desfiles do grupo especial. No dia seguinte, fomos direto para a Cidade do Samba em direção ao barracão da Mangueira, ponto de encontro dos ritmistas paulistas para o almoço, retirada das fantasias e transporte para a concentração do desfile. O entusiasmo era aparente no rosto de cada um de nós, tanto daqueles que já desfilavam no Rio há algum tempo, quanto daqueles que estavam prestes a defender um pavilhão carioca na Marquês de Sapucaí pela primeira vez, como eu. Enquanto o relógio andava, a adrenalina seguia seu compasso. Já estávamos na concentração, ali no prédio dos Correios, onde a direção da bateria ajustava os últimos detalhes de afinação das peças. A noite caia, o público chegava com suas fantasias, o nervosismo ficava aparente no rosto dos harmonias, dos diretores e dos apoios de todas as agremiações que estavam prestes a desfilar.

Era chegada a hora! Estávamos na boca da avenida! De um lado a tensão, o nervosismo e o stress, do outro a emoção, felicidade, adrenalina e empolgação, era um misto de todos os sentimentos! No esquenta, iniciado pela bateria 1, já dava para sentir o arrepio, e na primeira troca de bateria, já foi possível observar o tal “grito de gol” que ressoava nas arquibancadas... Seguimos para o primeiro recuo! O desfile estava prestes a começar... Na saudação do presidente Ivo Meirelles, ouvimos a seguinte frase: vamos brincar de ser Mangueira!

O sentimento foi bem esse do começo ao fim, mas claro, com uma bela pitada de disciplina e atenção. O “brincar” que ele falou, entrou no meu ouvido como “vamos fazer um carnaval genuíno, verdadeiro, para o povo, sem burocracia, com criatividade, alegria e emoção”. E assim seguiu a nossa folia. A bateria 2 passou boa parte do desfile evoluindo e não tocando, mas sinceramente, foi uma sensação muito boa, pois acredito que esta tenha sido a única oportunidade que nós ritmistas tivemos para fazer um desfile que mesclava a famosa “tiração de onda” de uma ala com a “responsabilidade e adrenalina” de uma bateria, aliás, nesse caso, mais do que uma bateria, pois cada vez que tocávamos, era um momento arriscado e que todo cuidado era pouco para não prejudicar o andamento do ritmo... A cada sinal dos mestres e diretores, a emoção variava entre extremos, algo inexplicável, e eram nesses momentos que a gente passava de folião à protagonista, recebendo aplausos de todos os que estavam presentes na Sapucaí!

Da brincadeira de foliões com os espectadores à responsabilidade de segurar o canto da escola sem o áudio da ala musical pelo sambódromo, esse foi o nosso papel e acredito que todos saíram de lá com o sentimento de dever cumprido, afinal o risco de sair do andamento era grande e isso não existiu, garantindo inclusive a nota máxima no quesito bateria. Apenas lamentamos o fato da escola atrasar 6 minutos e sofrer a punição, como é a regra do jogo.

Para quem teve essa oportunidade, certamente ficará um filme completo, sem qualquer corte e edição, de todas as emoções vividas. Acredito que para os presentes na Sapucaí, este filme também ficará na memória! Mais do que isso, ficará guardado na história do carnaval, na história do samba!

Agradeço a todos pela oportunidade, em especial ao Vitor da Candelária, e parabenizo toda a direção pela ousadia e pela disciplina que permitiu uma execução perfeita dessa “manobra”!

Agora é aguardar a inspiração dos mangueirenses para desvendar qual será a loucura de 2014! Um brinde à inovação... Um brinde ao atrevimento... Um brinde à Estação Primeira de Mangueira... Um brinde também à campeã Vila Isabel... Um brinde ao samba!
Muita paz e muito samba a todos... Em dose dupla, é claro!


Vinicius Manfredi de Azevedo, 27 anos, começou no samba em 2002, na escolinha de bateria dos Gaviões da Fiel. Compositor da escola da nação alvinegra ainda em busca da sua primeira vitória, divide seu coração com a Tom Maior, agremiação pela qual realizou o seu décimo desfile como ritmista, tocando repinique. Formado na PUC-SP em Administração, toca na Bateria FEA-PUC desde 2003, da qual foi mestre por aproximadamente 3 anos (2005/2007) e quando possível, ainda colabora com o movimento de baterias universitárias, algo que acredita ser muito importante para o desenvolvimento das pessoas e que pode colaborar muito com o mundo do samba no futuro.