14 de dez. de 2012

Comentários dos sambas de enredo do RJ e expectativas para o Carnaval


por Diego,

Comentar sobre as nuances do Carnaval, ou ainda, aventurar-se em emitir opiniões sobre o samba de cada escola, não é algo simples – muito pelo contrário – causa um temor a um sambista. Particularmente a este, que receia ofender quem arduamente trabalha em prol de uma comunidade, um pavilhão; e na maioria das vezes recebe tão pouco reconhecimento por suas obras: o compositor.




Ainda sim, aceito o desafio. Farei uma análise de cada samba e sua adequação com o enredo. Além disso, almejo fomentar uma perspectiva do seu enquadramento para o desfile. Não tenho tanta propriedade musical pra comentar sambas, mas tenho que reconhecer que escutá-los é um vício. Faço a ressalva de que não li todas as sinopses ainda, só daquelas escolas que acompanhei as eliminatórias.

Toda e qualquer crítica feita sem razão a determinado ponto, sintam-se a vontade para rebater. Isso não quer dizer que somente nesse caso a participação de vocês é cabível. Ao contrário, esse espaço é de discussão, disseminação e construção do conhecimento sobre o carnaval e a participação de vocês é essencial. Portanto, qualquer informação adicional ajudar-nos-á em nosso objetivo. Saliento, por fim, que dito tudo isso, fica claro que qualquer crítica não tem por fim macular o trabalho de uma comunidade, ofender qualquer escola, terá, sim, a finalidade de exigir que a capacidade de cada agremiação apareça de forma plena. E será, sim, custosa a quem a desfere. Mas, chega de papo furado, vamos ao que interessa: o samba.

Acho que esse ano as escolas passaram uma mensagem positiva com as escolhas. Não inventaram. O que em algumas não é incomum, mas episódico. Não inventar, no sentido de não escolher o preferido da comunidade. Porque no sentido literal da palavra, a diretoria da Vila inovou escolhendo um samba que foge ao paradigma estabelecido há alguns anos. Em grande parte, venceu o melhor samba, aquele que tem a característica fundamental da escola. Portanto, em um ano quando 10 das 12 escolas (sendo as duas: Portela e União da Ilha) terão enredos-patrocinados, alguns esdrúxulos, preciso ressaltar que considero a safra boa. Algumas alas de compositores tiveram trabalho além do normal e saíram=se muito bem, o melhor exemplo disso são Salgueiro e Beija-Flor.

Temos duas grandes obras: Vila Isabel e Portela. Novamente, como aconteceu em 2012, as duas obras são, no grupo especial, candidatíssimas ao Estandarte de Ouro. Mas, ao contrário do ano passado, quando Portela era melhor, esse ano é a vez da Vila. Ainda que esperasse mais da gravação do samba da Escola do Presidente de Honra, Integrante da comissão de carnaval, mentor do enredo, compositor do samba: Martinho da Vila (diga-se de passagem, um orgulho muito grande para a Vila e seria para qualquer outra). Esse samba é contagiante. Talvez tenha causado o mesmo impacto que o da escola de Madureira no ano passado. Interrompe essa história de uma fórmula de samba descritivo e que transcreve trechos da sinopse. Afinal como o próprio samba diz a “Vila é o chão da poesia celeiro de bambas”. Um samba ousado que conta de modo verossímil o dia do protagonista do enredo: o camponês, o agricultor, o brasileiro. Outra coisa interessantíssima, dentre tantas outras desse samba suntuoso, é a mudança da palavra plantar e colher no refrão principal, indicativo da conclusão-continuidade do ciclo da vida do campesinato e, porque não dizer, o ciclo da história da própria Vila Isabel. Certamente a Vila virá colher felicidade no amanhecer da segunda-feira quando encerrar o desfile do grupo Especial.

Em relação ao samba da Portela, acho que a parceria de Wanderley Monteiro acertou novamente com o resgate dessa levada muito característica na Majestade do Samba em décadas passadas. Talvez esse samba não tenha sido tão bem compreendido ou comentado pela própria sombra do excelente samba de 2012, mas mesmo assim é um grande samba. Nem mesmo a mudança na ordem de repetição dos versos do refrão estragou a obra.

Em um segundo grupo colocaria: Mangueira, Salgueiro, Grande Rio. Em um terceiro a maior parte das escolas: Mocidade, Tijuca, Beija-Flor, Imperatriz, São Clemente, Ilha. Não há sambas exuberantes, fazendo jus às respectivas histórias, no entanto, alguns são muito bons, principalmente, os três primeiros dessa lista. Infelizmente, sozinha no quarto grupo está a Inocentes de Belford Roxo, cujo samba está muito aquém de uma escola que precisa de forças para se manter no Especial e apagar a má impressão deixada depois da conturbada apuração do Acesso em 2012, ainda que não tenha envolvimento direto com a situação. Mas, mesmo ela, não tem um “samba pula-faixa”. Talvez possa funcionar na Sapucaí.

Vou tentar falar um pouco de cada uma. Eu sou mangueirense, então, desculpem-me se for muito parcial. Mangueira é um fenômeno inexplicável no Carnaval e para gostar de seus sambas tem que entender um pouco do que ela é; sua característica. Seus sambas são densos melodicamente e muito líricos. Esse de 2013 tem algumas passagens melódicas lindas: “cidade formosa… verde… rosa/ teu nome reluz, vila real do bom Jesus” e “é hora de darmos as mãos/ agora, seguir a missão/ sustentar na mesma direção”, além dos dois refrãos. Destaco a chegada do Agnaldo Amaral, juntando-se a Luizito, Zé Paulo e Ciganerey dando ainda mais força ao canto da “maior escola do planeta”, em mais uma investida na tarefa inglória de amenizar a ausência do maior intérprete de todos os tempos: Jamelão.

Salgueiro vem com um samba pra cima como seu povo gosta. É um dos casos de enredo problemáticos para os compositores. Marcelo Motta e seus parceiros foram muito felizes. Samba muito bom de ouvir. A Furiosa, sua comunidade e seus intérpretes certamente farão por bem melhorá-lo ainda mais.

A Grande Rio entra em uma polêmica sobre a exploração do pré-sal e a divisão dos royalties do petróleo, claramente defendendo a não divisão entre os estados e que é possível explorar sem destruir a natureza, em um tema muito debatido e de suma importância. Isso é música para os ouvidos de Sergio Cabral Filho e Eduardo Paes. Mas falando de samba, surpreendeu-me, muito bom de ouvir. A dúvida fica em como o estreante, Emerson Dias, substituto do Wantuir, vai se sair agora como intérprete oficial, ainda que o Nego tenha sido contratado. Torço para que dê tudo certo.

A Mocidade vem falar do Rock in Rio. Será um desafio mostrar que os dois gêneros musicais podem conviver harmoniosamente. Existem radicais no samba também. Desde já, torcem o nariz para essa “intromissão imperialista inaceitável”. Mas gosto do resgate que a bateria está fazendo, o intérprete é ótimo e o samba é bom. Tem tudo pra dar samba. Ou rock. Não sei, esperemos.

A Unidos da Tijuca, escola do momento, tem um enredo que destoa daquilo que a colocou no patamar que tem, mas não se iludam será uma visão lúdica da Alemanha. O samba é técnico. Não deixa nada a desejar. Diria mais, descreve bem a ideia do genial Paulo Barros e dará mote para o espetáculo ser feito. Gostei da mudança do verso do refrão: “deus Thor me chamou que felicidade” para ” deus Thor me chamou vou nessa viagem”. Porém ainda acho a pronúncia um pouco truncada nesse primeiro verso. Agora, independentemente disso, os outros dois versos desse refrão são lindos e valeram a escolha: “metade do meu coração é Tijuca/ a outra metade Tijuca também”. Certamente o ponto alto desse samba que Bruno Ribas interpretará com maestria novamente.

Beija-Flor tem um daqueles enredos os quais considero esdrúxulos. Porém, como é costumeiro, tem um samba técnico, pra frente, que casou bem com a voz do Neguinho. É bom não duvidar da qualidade do intérprete e da comissão de carnaval da escola mais vezes campeã nos últimos anos. Muito menos da comunidade Nilopolitana.
A Imperatriz Leopoldinense falará do Pará, que costuma dar mote pra grandes sambas. Não foi o caso. É um samba muito aquém das tradições da Imperatriz, mas acho que funcionará. E algo que pode contribuir é a contratação do Wander Pires para cantar com o Dominguinhos, então, espero muito desse carro de som. Uma curiosidade desse samba é o uso feito pelo Dominguinhos do mote: “O Pará é a obra prima da Amazônia” que ele utilizara naquela readaptação da Viradouro (2004) para o enredo antológico da Unidos de São Carlos (1975).

A São Clemente vem trilhando um caminho muito interessante desde a conquista mais recente da vaga no Especial. Muito me agrada essa construção de uma identidade para o público. Quando ela passa o público sabe que a irreverência e o popularesco entram na avenida. Guardadas as devidas proporções, lembrando até escolas como Caprichosos e Unidos do Cabuçu. E mais uma vez, um samba irreverente, pra cima e o qual o público vai se identificar. Falando do Horário nobre da TV, o público verá personagens marcantes da teledramaturgia global. Destaco os versos dos refrãos: “dance bem, dance mal, dance sem parar/ roque quer sambar… não é brinquedo não” e “olha quem chegou, sinhozinho malta/ viúva Porcina sambando igual mulata”.

A União da Ilha vem homenagear Vinicius de Moraes. Tem um samba técnico que apresenta o poetinha de um modo diferente do que inicialmente poder-se-ia pensar. Há um caráter sincrético, religioso, até exotérico de certo modo, obviamente sem perder o lirismo do genial Vinicius. Para 2013 vejo dois grandes pontos positivos para a Ilha: a volta do Odilon e o Ito Melodia. É, como dizem, a segunda escola de todo sambista, isso conta muito. E isso vem de grandes sambas interpretados pelo Aroldo Melodia. Duvido que alguém aqui nunca tenha ouvido, em algum momento da vida, algum desses sambas: 74, 77, 78, 82, 89 e 91.

A Inocentes, embora seu samba tenha um refrão pra cima, isso se perde com uma primeira mal construída. Realmente foi o samba que menos gostei. Será uma missão difícil mesmo com o Wantuir chegando por lá. Ainda que, não tendo lido a sinopse, creio que há problemas latentes no samba.

Por último, sobre a gravação, gosto desse modelo de bateria própria e canto da comunidade para aparentar o samba na avenida. O leitor atento deve ter percebido que não disse que algum samba é ruim. Não diria. Pra mim não existe. Existem os que eu gosto e os que não. Os que eu compreendo e os que estão além da minha compreensão.